Depois de amarrar precariamente o saquinho do Sonda, saí para o Hall do andar e apertei o botão do elevador para levar o lixo para baixo. Meu prédio não tem uma lata de lixo por andar, a coleta é feita toda no térreo e os barris de plástico estão sempre cheios. Me distraí por um instante e, quando me dei conta, havia um sujeito parado ao meu lado. Julguei ser um vizinho esperando o elevador e cumprimentei-o, sem me virar completamente. O sujeito era pálido e tinha cabelos pretos, como pude observar pelo canto do olho, e pareceu não me responder. Sabe como são essas conversas de Hall de elevador, mais murmúrios que palavras. Esperaríamos até entrar na caixa metálica para mencionar o tempo, é claro.
Quando o elevador chegou, entrei e me virei para a porta. O sujeito não entrou, continuava fitando a porta aberta e, consequentemente, me observava do lado de dentro. Notei seu olhar vazio, olhos claros e uma roupa casual. Imaginei que estava esperando alguém, a esposa, talvez, e não perguntei se entraria. Apertei o botão do Zero e as portas se fecharam automaticamente. Já no térreo, deixei o lixo rapidamente e voltei ao elevador, que continuava parado. Ninguém o havia chamado. Apertei o botão do quinto andar e esperei ver meu vizinho novamente, já que aquele era o único elevador do bloco.
Quando as portas se abriram, não havia ninguém no hall. Foi quando me veio um pensamento tenebroso que me fez andar apressada até a porta do meu apartamento, chegando a correr um pouquinho ao final e fechar a porta com violência. Meu marido, assustado com o barulho da porta batendo, veio até a sala e se deparou com a minha expressão sombria. Ele nunca tinha me visto daquele jeito e perguntou o que eu tinha.
– Eu vi o Mesmo – respondi – tenho certeza.
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Tendal da Lapa: da cultura ao descaso
Há 22 anos o Espaço Cultural Tendal da Lapa, localizado na região Oeste da cidade de São Paulo, promove 24 oficinas culturais gratuitas para a população, entre elas aulas de música, teatro, dança e artes plásticas. Atualmente o Tendal é a maior casa de cultura da cidade, ocupando aproximadamente 7.400 m² de um prédio histórico da região. A prefeitura de São Paulo é detentora do espaço.
Observando que o Tendal não era suficientemente divulgado, nos encaminhamos ao local com a intenção de obter informações sobre as oficinas e divulgar para a região onde ela é localizada. Fomos surpreendidas pelo fato da coordenação estar ausente em um dia de trabalho, no meio do expediente. “O horário do coordenador é a partir das 10:00”, nos informou a segurança do local, “mas umas 13:00 horas é garantido que ele vem”.
Esperamos até as 15:00 apenas para descobrir que ele não viria mais. Indagamos sobre seus horários durante a semana e notamos que ele não costuma aparecer com regularidade. Voltamos em um outro dia, no horário indicado pela segurança, no qual ela tinha certeza que ele estaria trabalhando. O coordenador, Marcos Ozzetti, no entanto, não quis responder a perguntas, alegando estar muito ocupado com e-mails. Conseguimos marcar uma reunião com Marcos, em um dia e horário de sua escolha, mas ele não apareceu. Em outros momentos ainda de insistência, não conseguimos falar com ele. Do que ele fugia?
O espaço do Tendal da Lapa, mesmo após mais de duas décadas de história, ainda passa por muitas dificuldades, como a falta de recursos para os alunos. Por isso, de acordo com Alessandro Cristiano Bolinda, que faz aula de teatro há um ano no local, cada grupo deve realizar uma contribuição para o espaço ocupado: “Tem grupos que colocam os panos, outros que colocaram a madeira no chão, entre outros. O grupo de teatro foi o responsável pelas lâmpadas dos banheiros”.
Como a entrada não é chamativa, a maioria das pessoas que entra pela Rua Guaicurus não está interessada nas atividades oferecidas e nem sabem o que o lugar contém, entram apenas para se informarem da localização do Poupatempo. Enquanto esperávamos em vão pela coordenação do Tendal, cinco pessoas, em um período de 30 minutos, nos fizeram a mesma pergunta: “É aqui que é o Poupa-tempo?”. Não demorou muito para aprendermos a dar instruções sobre como chegar lá.
Mas não é apenas na entrada que o Tendal da Lapa é descuidado. Passando pelo portão principal as pessoas já conseguem observar muros pichados e jardins mal cuidados. Adentrando um pouco mais, encontram-se entulhos empilhados no chão sujo, banheiros sem travas na porta (ou até mesmo sem portas) e uma folha rasgada de papel sulfite ao lado do bebedouro com os dizeres: “Recomendamos aos frequentadores das oficinas e aos integrantes de grupos que ensaiam no Tendais, que tragam seus copos ou garrafinhas próprias , devido à insuficiência de copos para abastecer os bebedouros”.
Além da falta de infraestrutura básica para abrigar aqueles que o frequentam, o Tendal sofre com a falta de divulgação. Os funcionários da Lanchonete Princesa Romana, por exemplo, localizada a um quarteirão do local, na esquina da Rua Roma com a Rua Catão, desconhecem o lugar.
Para a divulgação, a Prefeitura da cidade de São Paulo conta apenas com o blog tendaldalapa.blogspot.com.br. João Edson, professor de Samba Rock, diz: “Eu sou funcionário da Prefeitura, mas os outros funcionários não sabem que existe esse espaço. Convidamos nossos amigos para fazer aula, mas nenhum conhece”.
Gisele Cristiane Martins, professora de Artes Plásticas do Tendal, também comenta sobre o assunto: “Tem muitos alunos aqui, então as pessoas ficam sabendo através do boca a boca. Os alunos que passam o Tendal pra frente. Eu tenho aluno de longe, tenho aluno da Penha, do Jardim Imperador, da Vila Formosa, de várias regiões, que ficaram sabendo porque alguém fez aula e indicou”.
Porém, mesmo com a falta de infraestrutura adequada e divulgação, os que participam das aulas, gostam muito do lugar.
De acordo com João Edson, todos os professores são voluntários: “Eu sou funcionário da Prefeitura, mas não tem nada a ver. A gente faz porque a gente gosta. Aqui tudo é de graça. A gente gosta, faz muitas amizades. Se você faz aula é porque tem algum problema, seja de saúde, financeiro, pessoal, aqui você tem duas horas de distração”.
Aos finais de semana, uma atividade se destaca no Tendal: a aula de informática. Frequentado por, na maioria, idosos, o curso visa ensinar as pessoas a usarem o computador. A aluna Maria de Fátima Pereira (61), diz estar aprendendo muito com essas aulas: “Eu sou secretária de dentista, então preciso usar o computador. A Tamires (professora) ajuda muito a gente, ela tem muita paciência. Cada dia a gente aprende uma coisinha nova”.
Além de ser a atividade mais concorrida (com vagas que acabam em menos de duas horas), a aula de informática tem outra particularidade, é a única que está vinculada à Prefeitura, sendo parte de outro órgão público que oferece ações sociais como essa. A professora de informática é funcionária da prefeitura, mas nem ela e os computadores não estão ligados ao Tendal, que só permite que a sala seja utilizada.
Mesmo esse curso acontecendo aos sábados, os dias úteis são os que reúnem a maior parte dos alunos que, de acordo com João Edson, frequentam o Tendal no período da noite: “O Tendal sempre foi forte. Sempre teve muita gente aqui, mas depende muito do horário. Durante a semana, das 18h às 22h o lugar fica superlotado”.
A falta de recursos não impediu que dezenas de pessoas, ainda que muitas delas passem por dificuldades, tocassem o Tendal da Lapa para frente. A boa vontade dos voluntários e alunos fez dessa casa de cultura um segundo lar para diversos moradores da cidade de São Paulo.
obs: O texto foi escrito em conjunto com Priscila Zucas.
Aeroportos não estão preparados para receber a Copa do Mundo em 2014
Pilotos e comissários de diferentes companhias aéreas temem pelo pior
O Brasil foi selecionado para receber tanto a próxima Copa do Mundo de Futebol, em 2014, quanto as Olimpíadas de 2016, dois grandes eventos esportivos internacionais. O Ministério do Esporte estima que somente a Copa do Mundo atraia 3,7 milhões de turistas para o País entre junho e julho do ano que vem. Existe, no entanto, uma preocupação por parte de profissionais da aviação sobre a falta de preparação dos aeroportos para receber tal número de visitantes.
O problema
Os números assustam. Segundo um estudo feito pela Fundação Getúlio Vargas, estima-se que o fluxo de turistas aumente 79% entre 2011 e 2014 devido à Copa, o que excede a capacidade de muitos dos aeroportos das cidades onde o evento acontecerá. Em 2001 já se utilizavam 65% dos assentos oferecidos por companhias aéreas, tanto para voos nacionais quanto internacionais, no total dos aeroportos brasileiros. Nos últimos 10 anos, poucas melhorias ou ampliações foram efetuadas, enquanto que a demanda por voos tem crescido anualmente (com exceção de uma diminuição de 5 % na demanda entre 2002 e 2003) desde então.
Rodrigo Constantino, autor do livro “Privatize Já” (2012), afirma que “um estudo da McKinsey de 2010 estimou em 20 bilhões de dólares a necessidade de investimento dos 20 principais aeroportos brasileiros”. Ainda em sua obra, Constantino afirma que “segundo a instituição Contas Abertas, os aeroportos brasileiros receberam, em valores atualizados, somente 4,3 bilhões de reais em investimentos entre 1995 e 2010, o equivalente a menos da metade do orçamento aprovado”.
Do ponto de vista dos aviadores
Pilotos, comissários e outros profissionais da aviação notam a diferença que a falta de investimento faz. Um comandante da TAM, que não quis ser identificado, diz ter “a mesma opinião de 99,9% dos aviadores”, de que os aeroportos estão longe de estar preparados para a Copa do Mundo. Um grande problema, segundo ele, é a saturação dos aeroportos: “Você pode ver em ‘feriadões’, época de festas de fim de ano, Carnaval e férias que já não há mais como aeroportos suportarem a demanda; não há vagas nos estacionamentos, banheiros suficientes, posições de check-in e nem mesmo lugar para sentar”. O comandante afirma conhecer todos os aeroportos das cidades onde os jogos acontecerão e diz que “com muito esforço, somente o aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, o Galeão, no Rio, o Confins, em Belo Horizonte, e o aeroporto de Brasília teriam o mínimo de condição” para receber os turistas. Isso se as reformas já tivessem sido concluídas, ele faz questão ressaltar.
Um piloto da ABSA Cargo, diz que em São Paulo, onde estão localizados “os dois aeroportos mais movimentados da América do Sul”, Cumbica e Congonhas já estão “saturados com o volume normal do dia-a-dia de tráfego aéreo”. Segundo ele, um grande evento como a Copa congestionará ainda mais esses aeroportos, “tanto no âmbito aéreo como na estrutura de pátios”. Ele afirma ser comum pousar e ficar aguardando nas “taxiways” pela liberação de um local para estacionar a aeronave, o que pode ser um risco para a segurança.
Os profissionais da aviação entrevistados concordam, unanimemente, que já é tarde para se aplicarem soluções de real efeito no caso dos aeroportos. Carolina Santos, comissária da TAM, trabalha em voos internacionais e usa o aeroporto de Guarulhos com frequência. Ela acredita que Cumbica está operando “acima de sua capacidade” e menciona a construção do terminal 4 “chamado de puxadinho”, que “tem deixado muito a desejar”. Do terminal 4, saem apenas voos de duas companhias: Azul e Passaredo. Já o terminal 3, que está em construção, promete atender a um número maior de pessoas, recebendo um investimento de R$ 2,6 bilhões, segundo apuração do G1. A conclusão das obras, porém, está prevista para 2031, muito depois dos grandes eventos serem sediados no Brasil.
Possíveis soluções
Uma das soluções empregadas pelo governo para solucionar o problema dos aeroportos é recorrer à iniciativa privada. Em 2012, o governo Dilma realizou um leilão pela concessão por 20 anos dos aeroportos de Guarulhos (Cumbica), Campinas (Viracopos) e Brasília (JK). Porém, segundo Rodrigo Constantino, “o processo foi feito às pressas e com atraso de alguns anos”.
Outra solução de improviso, cogitada por alguns dos pilotos entrevistados, é remanejar a aviação executiva para aeroportos menores e bases aéreas, o que pode prejudicar negócios de empresas que já movimentam a economia brasileira. O Ministério do Esporte estima que os turistas representem uma receita de 9,4 bilhões de reais durante a Copa do Mundo, mas esse montante pode não compensar as perdas que empresas tendem a sofrer devido a dificuldades no transporte aéreo, entre outros transtornos causados pelo excesso de turistas somados à falta de estrutura.
A maior parte das obras em preparação para a Copa que podemos observar até o momento são ampliações dos terminais de passageiros, focando nas áreas comerciais de aeroportos, para que acomodem mais lojas e restaurantes. O resultado é que teremos melhores shoppings do que terminais nos aeroportos brasileiros. Apesar disso, a Infraero afirma que está trabalhando para melhorar os aeroportos – com R$ 4,6 bilhões gastos em obras – e que eles atenderão à demanda de turistas que visitarão o país durante a Copa. Ao colocar na balança o que afirma a Infraero em contrapartida ao que afirmam aviadores e estudiosos, é mais recomendável evitar os aeroportos durante o período da Copa do Mundo, a não ser para ir às compras.
Mensalão: entendendo a corrupção política brasileira
Tendo em vista as recentes manchetes sobre o caso “Mensalão”, em que atos de corrupção política estão sendo julgados, é óbvia a falta de entendimento, por parte da população sobre o que isso significa para a sociedade, além das causa e consequências da corrupção política no Brasil. O caso em questão, o “Mensalão”, se trata do desvio de milhões de reais em receita pública, usados, principalmente, na compra de votos dentro do parlamento, para que leis sejam aprovadas sem passar por uma análise ou deliberação, como uma forma, também, de esmagar a oposição. Situações como essa ferem a democracia e os direitos humanos, além de irem contra a ética e a moral vigentes. Ocorrem, entretanto, comum e explicitamente no Brasil. Por que isso acontece?
A corrupção na política brasileira é, de fato, algo lamentável para o desenvolvimento do País. O problema que enfrentamos ao analisarmos as raízes do problema é que elas estão tão profundamente inseridas na nossa cultura, que se tornaria um debate infindável de teorias sobre causa e solução. Portanto, três tópicos podem nos guiar nessa análise:
1 – As raízes culturais que permitem que a corrupção aconteça tão explicitamente como no caso do “Mensalão”;
2 – O papel da imprensa na política;
3 – A banalização da ética no sistema capitalista neoliberalista.
As raízes da corrupção
Da forma como os ingleses do norte dos Estados Unidos viam o Novo Mundo – como lugar promissor para se construir uma nova pátria – nós nunca vimos o Brasil. O nosso pedaço de Novo Mundo não foi mais que uma colônia de exploração até a chegada da família real, em 1808, fugida de Portugal graças às campanhas de Napoleão Bonaparte. Ainda assim, tentaram trazer os costumes portugueses para uma terra que em nada se parecia com Portugal, criando assim uma população que Sérgio Buarque de Holanda chamou de desterrados em sua própria terra:
“A tentativa de implantação da cultura europeia em extenso território, dotado de condições naturais, se não adversas, largamente estranhas à sua tradição milenar, é, nas origens da sociedade brasileira, o fato dominante e mais rico em consequências. Trazendo de países distantes nossas formas de convívio, nossas instituições, nossas ideias, e timbrando em manter tudo isso em ambiente muitas vezes desfavorável e hostil, somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra. Podemos construir obras excelentes, enriquecer nossa humanidade de aspectos novos imprevistos, elevar à perfeição o tipo de civilização que representamos: o certo é que todo o fruto de nosso trabalho ou de nossa preguiça parece participar de um sistema de evolução próprio de outro clima e de outra paisagem.” (Holanda, pag.31, 2006)
O ápice das tentativas de transformar o Brasil em um novo Portugal, foi a proibição do uso de qualquer língua além do português, impedindo que os negros africanos e os indígenas nativos perpetuassem suas culturas. O que nós temos no Brasil, então, é uma mistura de nativos sendo expulsos de suas terras (índios), africanos que nunca quiseram deixar seu continente, muito menos para serem explorados, e os portugueses insistentemente impondo uma cultura estrangeira em uma terra que não corresponde aos seus costumes. Mesmo os imigrantes europeus que vieram posteriormente foram explorados para continuar extraindo as riquezas naturais do Brasil, passando por seus diversos ciclos econômicos.
É de se esperar que não se desenvolvesse muito o “amor à pátria” por aqui. Enquanto cada estrangeiro tentava implantar um pouquinho de sua cultura no Novo Mundo, uma identidade nacional se formava fraquinha e capenga com o decorrer do tempo, até alcançar o que é hoje o Brasil. Vê-se hoje um brasileiro pouco patriota, desinteressado quanto à política e desatento quanto aos políticos corruptos.
As adversidades do Novo Mundo também deram origem ao “jeitinho brasileiro”, a arte de ser “malandro” e se adaptar a situações difíceis. A forte presença da cultura latina, a necessidade de adaptação e a mistura de culturas ocasionou uma variedade de valores morais muito grande. É muito comum encontrar brasileiros que participam de mais de um culto religioso, de crenças e valores muitas vezes contraditórios, o que nos leva a conclusão de que, no Brasil, também é possível se adaptar a regras de conduta e valores morais diferentes, conforme a conveniência.
O exemplo da religião não é único, convivemos diariamente com uma ética abstrata. Muitos atos ilegais são tolerados no Brasil pela população, como a venda de CDs e DVDs piratas, o roubo de sinal de TV a cabo e internet, a falsificação de produtos, entre outros atos “malandros”, apesar de ilegais ou antiéticos. O brasileiro, na maior parte das vezes, sabe que fez ou faz algo errado, mas esses atos são tão comuns e tão tolerados pelos que estão à sua volta, que ele não se incomoda em praticá-los. Nessas circunstâncias, é compreensível uma cultura permitir que a corrupção aconteça.
Entre as diversas formas de corrupção, a de teor político é a que mais afeta a população brasileira, mas estamos tão acostumados com ela que não nos damos conta de sua gravidade. A relativa ética brasileira é, portanto, um agravante na situação política na qual nos encontramos, que permite a ocorrência de esquemas de corrupção como o do próprio “Mensalão”. Sem a intervenção da população, os políticos só encontram obstáculos em outros políticos para alcançar seus objetivos. Sendo esses outros, também, possivelmente corruptos, esquemas de propina como o “Mensalão” são criados para ultrapassar obstáculos, possibilitando um poder muito grande a líderes de partido. Por esse motivo os políticos corruptos são preferíveis nos jogos políticos, já que seus votos e seu apoio podem ser facilmente comprados. Essa é uma reação em cadeia que tem acontecido desde as “DIRETAS JÁ”, culminando no “Mensalão”.
O papel da imprensa
Não podemos responsabilizar somente as raízes culturais do Brasil quando nos referimos à corrupção política. A grande imprensa tem, também, um papel importante na manutenção das condições sociais que permitem esses acontecimentos. O mestre em comunicação e mercado, Fábio Cardoso Marques, explica como a imprensa tem se transformado no ambiente capitalista brasileiro:
“A imprensa contemporânea se diferencia bastante da imprensa de algumas décadas atrás, quando os grandes jornais se importavam mais com a “missão” jornalística de formação de uma opinião pública, obviamente com base na perspectiva política de cada jornal, ao contrário do que acontece na atualidade, em que predomina o padrão jornalístico de prestação de serviço. Esse conceito de “missão” foi deixado de lado e substituído pela preocupação da empresa jornalística em atingir melhores resultados econômicos. Houve, dessa maneira, uma significativa transformação da imprensa escrita e da notícia em uma mercadoria específica que deve ser vendida em dois mercados diferentes: dos anunciantes e dos leitores.” (Marques, pag. 33, 2006)
Sendo assim, a qualidade da notícia de “fazer o público pensar” decai, na medida em que se torna mais interessante vender do que informar. Notícias sensacionalistas, superficiais, rápidas e simples atraem um público maior, trazendo um retorno financeiro mais atrativo para os veículos. As disputas políticas perderam espaço para as celebridades e as fofocas, as coberturas políticas se tornaram supérfluas e pouco exploradas.
Usarei o mesmo exemplo utilizado por Carlos Sandano ao explicar a manipulação ideológica do jornalismo moderno:
“Tomemos como exemplo a análise feita em um trabalho de pesquisa (Saisi, 2003) com a Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo na campanha presidencial de 2002. Durante todo o período eleitoral, a mídia concentrou-se quase que exclusivamente em torno de três temas centrais: os resultados de pesquisas eleitorais, a repercussão das campanhas dos candidatos na televisão e a opinião de porta-vozes do mercado financeiro sobre as peças publicitárias e as declarações dos candidatos (Saisi, 2003, p.375), ou seja, a cobertura midiática é mais fortemente influenciada pelas decisões dos coordenadores de marketing das campanhas do que por instâncias partidárias ou organizações civis, ainda que estas continuem a exercer certa influência regional. Além disso, a base para determinar a relevância das propostas é o aspecto quantitativo, ou seja, a posição de determinado candidato nas pesquisas, não a relevância ou a legitimidade de conceitos ou programas políticos.” (Sandano, pag. 66, 2006)
Essas características continuam na grande imprensa atual e tendem a se agravar se não houver uma mudança na forma como o jornalismo é feito. Entretanto podemos observar, baseando-se na repercussão do caso “Mensalão”, um leve aumento de interesse por parte da população e uma grande cobertura por parte da imprensa; mas não podemos nos dar por satisfeitos. Ainda existem diversas melhorias a serem feitas no trato com crimes políticos.
A Ética no mundo capitalista
Outro fator de destaque ao analisarmos a corrupção política brasileira, é a fragilidade da ética no mundo capitalista. O Brasil tem passado por um rápido crescimento econômico, afetando os hábitos de consumo e, portanto, interferindo no comportamento e na ética dos brasileiros.
Os valores morais e os costumes, que antes eram aprendidos através de nossas relações sociais cotidianas, perdem valor na medida em que o pensamento consumidor capitalista se alastra. A necessidade de consumir com frequência, imposta pela obsolescência programada dos novos produtos, as rápidas mudanças da moda e dos avanços tecnológicos, a alienação, entre outros aspectos da economia de consumo, transforma o trabalho e a busca por capital nas principais prioridades do cidadão moderno. Sendo assim, as pessoas passam menos tempo com a família e mais tempo trabalhando, o que impede uma educação informal dos filhos, essencial para o desenvolvimento da ética no ambiente privado. Castro explica as possíveis consequências dessa situação:
“Diante dessa realidade surgem algumas constatações: o crescimento da violência e a banalização da vida humana; a mercantilização do sistema de ensino e de saúde; as amizades que se desenvolvem com base em interesses econômicos; a exclusão de pessoas do mercado de trabalho; a naturalidade com que pessoas expõem na mídia sua vida privada; a mercantilização da religião que propicia a relação “mercadológica” com o sagrado; o aumento de pessoas depressivas e vazias de “sentido” etc. Por trás de todos esses sintomas não estaria a lógica de mercado que perpassa toda a sociedade?” (Castro, pag. 125, 2006)
Esse enfraquecimento da ética também favorece a alienação. A população tende a não se interessar pelo que acontece na política e, em especial, não compreender como isso a afeta, assumindo uma postura de passividade. Bauman, em “A Ética é Possível no Mundo de Consumidores?”, explica como o consumo afasta o cidadão de seu papel na manutenção da democracia:
“Mas o consumidor é um inimigo do cidadão. Por toda a parte ‘desenvolvida’ e rica do planeta, abundam sinais de um desvanecido interesse na aquisição e no exercício de habilidades sociais, apatia política e perda de interesse no desenrolar do processo político. A política democrática não pode sobreviver muito tempo à passividade dos cidadãos produzida pela ignorância e a indiferença política.” (Bauman, pag. 195, 2011)
Ou seja, essa alienação torna o cidadão brasileiro vulnerável às tramoias políticas e aos atentados à democracia, como é o caso do “Mensalão”. Comprando votos parlamentares para a aprovação de leis, o esquema do “Mensalão” destrói qualquer oposição, atentando assim contra a democracia.
A maior parte da população, seja pela desinformação da imprensa, pela alienação do consumismo, pela pobre educação ou pela relatividade ética, não compreende a gravidade desses problemas e pouco faz para tentar entende-la ou encontrar uma forma de resolver a situação. Nós simplesmente aceitamos a realidade política como ela é e deixamos que outra pessoa cuide disso, seja lá quem for. Afinal, acreditamos que a corrupção faça parte de nossas vidas assim como o “jeitinho brasileiro”: pode estar errado, mas nós já estamos acostumados. O brasileiro compreende o fato de que existem irregularidades na política, mas parece pensar que isso o afeta tanto quanto um amigo comprar um DVD pirata; é errado, mas não pode fazer mal a ninguém. Enquanto a população não compreender a seriedade de ocorrências que vão dos mais simples atos de corrupção passiva na política até os grandes esquemas como o do “Mensalão” e a intensidade com que afetam o País inteiro, nada fará para interrompê-las.
Luíza, o Canadá e a Decadência da Televisão
Honestamente, estamos em uma era de decadência na qualidade das programações de TV. A recente alteração do Regulamento dos Serviços de Radiodifusão, assinada pela presidente Dilma, já não ajuda a reverter a situação:
http://dilma13.blogspot.com/2012/01/governo-define-novas-regras-para-o.html
Para que as emissoras possam seguir as novas regras impostas, desencadearão uma queda ainda maior na qualidade da programação televisiva. A rigidez com que aprovam a criação de novas emissoras e obrigatoriedade de padrão na composição de sua programação serve somente para que o governo obtenha um maior controle sobre a mídia, que influencia milhões de pessoas em todo o país.
Resta-nos a internet, que ainda é relativamente livre, apesar de o governo dos Estados Unidos estar criando leis contra a pirataria que comprometem a liberdade de expressão na internet. A diferença é que grandes empresas como a Google e a Wikipedia protestaram contra a aprovação dos decretos chamados PIPA e SOPA, considerados inapropriados por conterem leis vagas e abertas a interpretação, podendo comprometer a liberdade na internet. Diversos sites ficaram fora do ar em protesto.
A criação de leis vagas no Brasil é, no entanto, aceita pacificamente. Pouco se falou sobre o assunto. A população brasileira parece não perceber que a baixa qualidade de seu entretenimento televisivo e que está para cair ainda mais.
A reportagem de mais de 3 minutos e meio no Jornal Hoje, da Globo, sobre a Luíza, é um exemplo dessa decadência. A reportagem, que ovaciona uma celebridade relâmpago da internet como se ela tivesse realizado algo importante, é uma irresponsabilidade. A televisão, especialmente os programas jornalísticos, é o meio de comunicação que atinge mais eficazmente a população brasileira, influenciando seu comportamento. Ao tratar uma piada de internet como um assunto importante a ser apresentado por um Jornal respeitado, a Globo passa a mensagem a milhões de brasileiros de que eles devem dar atenção a fatos como esse, enquanto leis absurdas que limitam a liberdade de expressão são criadas e aprovadas, e pouco se fala delas.
A internet difunde informações de todos os níveis, desde as mais sérias e importantes às porcarias mais estúpidas. É, portanto, uma fonte de informações menos confiável. A televisão é geralmente mais rígida em relações às informações passadas, o que faz com que as pessoas a levem a sério, gerando uma forte responsabilidade para as emissoras: a de passar informações seguras e de relevância à população. Quando se mostra, porém, celebridades relâmpago que ganharam a fama através de uma piada (que, diga-se de passagem, só é engraçada na internet) como se ela tivesse algum talento ou estivesse relacionada a algum grande feito, se destrói a seriedade desse meio de comunicação. Se é pela audiência, ou pela piada, eu sinto muitíssimo pelos brasileiros que incentivaram esse tipo de reportagem. Esses realmente merecem a programação de baixíssima qualidade que estão recebendo.
Tradutor Político
Tradução: Político – Português
Dilma fala sobre o que esperar de 2012 no programa de rádio “Café com a Presidenta”, no dia 09/01/12:
Original em Político: “(…) Nós vamos ter que trabalhar muito, mas já começamos o ano com uma boa notícia: o aumento do salário-mínimo, que passou de R$ 545,00 para R$ 622,00. O aumento do mínimo é importante porque as famílias vão poder consumir mais e viver melhor.”
Tradução para o Português: Estou seguindo o plano original do meu governo de ir aumentando o salário mínimo aos pouquinhos para não ouvir reclamação. Se as famílias vão poder consumir mais ou não, isso depende da inflação, da taxa de juros e do desenvolvimento da indústria. Ou seja, provavelmente não.
Original em Político: “Com isso, vão criar mais demanda para a nossa indústria, o nosso comércio e o setor de serviços, mantendo o dinamismo e a roda da nossa economia girando para que o Brasil continue a crescer.”
Tradução para o Português: Com isso, vamos continuar insistindo no protecionismo, para ver se a indústria cresce mais rápido, mesmo que a maioria dos economistas concordem que essa é a receita para o desastre; e que o fluxo de dólares está cada vez mais negativo com essa política protecionista devido à demanda por produtos importados de melhor qualidade.
Original em Político: “São quase 40 milhões de brasileiros diretamente beneficiados. Deste total, cerca de 20 milhões são empregados cujo salário corresponde ao mínimo, mas há também cerca de 20 milhões de aposentados e pensionistas que recebem o salário-mínimo, ou seja, dois em cada três aposentados receberão o reajuste. Para você ter uma ideia, este aumento vai fazer circular cerca de R$ 47 bilhões na economia por causa do salário-mínimo.”
Tradução para o Português: Estou falando números grandes para impressionar, mesmo que, individualmente, na prática essa diferença não seja grande coisa.
Original em Político: “Nós reajustamos a tabela do Imposto de Renda em 4,5%, e o desconto que o contribuinte tem no contracheque será, portanto, menor já a partir deste mês de janeiro. São 25 milhões de contribuintes pagando menos imposto. Com o reajuste da tabela, 800 mil pessoas ficaram isentas, ou seja, não vão mais pagar Imposto de Renda.”
Tradução para o Português: Bateu uma preguiça de ficar conferindo a declaração do Imposto de Renda de tanta gente, então a gente isentou mais um pessoal.
Original em Político: (sobre os micro e pequenos empresários) “…as novas regras do Supersimples entram em vigor agora em janeiro. Quem se enquadra no Supersimples paga um imposto único e com alíquota bem pequena. E nós tomamos uma medida importante, porque aumentamos o número de empresas que podem usar o Supersimples. Por exemplo: para se enquadrar como microempresa, o limite de faturamento anual passou de R$ 240 mil para R$ 360 mil; para a pequena empresa, subiu de R$ 2,4 milhões para R$ 3,6 milhões. Assim, mais pequenos e microempresários poderão se enquadrar. E aqueles que já estão no Supersimples poderão ampliar seus negócios sem pagar mais impostos.”
Tradução para o Português: Tomamos medidas para que mais empresários consigam entrar e nunca sair do ciclo burocrático que envolve a abertura de novas empresas. Quem se perde nesse sistema (em geral, se gasta 3% dos lucros apenas para pagar pessoas capacitadas a lidar com a burocracia) vai falir e ter que pagar uma grana alta para fechar o negócio ou nunca mais abrir de novo! Assim sendo, vou jogar mais uns números altos para mostrar como eu sou inteligente.
Original em Político: (sobre o microempreendedor individual) “Eles também foram beneficiados com as mudanças que fizemos. (…) na indústria e no comércio, quem é microempreendedor individual paga R$ 1,00 de imposto e R$ 31,10 para a Previdência, passando a ter direito à aposentadoria. No setor serviço, paga R$ 5,00 de impostos e também R$ 31,10 para a Previdência. O que mudou este ano (…) é que mais empreendedores poderão ter direito aos benefícios do sistema MEI. Agora, o limite de faturamento anual é de R$ 60 mil, ou seja, de quem ganha até R$ 5 mil por mês. Estamos aumentando o limite de faturamento, que antes era de apenas R$ 36 mil/ano. Com isso, estamos estimulando o microempreendedor individual a formalizar e a expandir seus negócios. Com a nova regra, quase 4 milhões de micro e pequenas empresas serão beneficiadas pelo Supersimples, e 1,9 milhão microempreendedores, pelo MEI. (…) as micro e pequenas empresas empregam mais de 9 milhões de trabalhadores no Brasil.”
Tradução para o Português: Vou colocar mais uns números para distrair, mas só estou querendo salientar que estamos desesperados para que o crescimento da indústria aumente o passo, mas temos que agir de maneira que agrade os políticos em geral (mudanças realmente significantes atrapalham os “esquemas”). Também estamos facilitando para que os empreendedores “informais”, ou seja, os caras que não pagam imposto, se formalizem e paguem pelo menos um pouquinho. As micro e pequenas empresas empregam menos de 5% da população, e não estão bem distribuídas pelo Brasil, estamos mais é tentando mostrar serviço.
Original em Político: “No final do ano passado, nós também reduzimos o imposto sobre produtos da linha branca, que são geladeiras, fogões, máquinas de lavar, entre outros. Esta redução continua valendo até março. Estes, Luciano, são exemplos de redução de tributos feitos pelo governo, com grande repercussão para 2012. Por tudo isso, Luciano, eu estou convencida de que 2012 será um bom ano. Nos orgulha muito sermos a sexta maior economia do mundo, mas o nosso objetivo é garantir aos brasileiros mais renda e mais emprego.”
Tradução para o Português: Tem um montão de gente fazendo compra a crédito e contribuindo para o crescimento artificial do país. Se alguma coisa não for feita em breve, talvez entremos em uma crise, só que eu não vou falar pra ninguém e, quando acontecer, vou culpar a Europa. O mundo acabar em 2012 não é a pior das previsões.
Fonte da entrevista: http://www2.planalto.gov.br/imprensa/cafe-com-a-presidenta/programa-de-radio-201ccafe-com-a-presidenta201d-com-a-presidenta-da-republica-dilma-rousseff-17/view
Brazil overtakes UK economy
Once I read this heading at the BBC news website my first thought was: big deal! UK is still a far more fair place to live. Unemployment there sucks, so what? You get government help if you can`t find a job. In Brazil that’s not possible because people might just stop working since the government help would be probably better than the “almost-slave” jobs a lot of them have. What do I mean by that? I mean working 10 hours or more for about US$ 200 a month (which is not much in Brazil, believe me!). The minimum salary in Brazil is a monthly wage which doesn`t clearly specify how many hours you have to work every day to get it.
Anyways, the unemployment aid is one of the reasons why UK is in trouble, isn`t it? The less jobs, the more unemployed people, the more money spent on them. Besides that, there are always those people that just don`t want to work.
So the Brazilian government had this brilliant idea, right: to give money to poor families so that they would be middle class and the then President would be known as a hero who took so many people out of poverty. Well, of course none of this money came out of his pocket. He took it from the actual middle class, which is poorer now so that the poor could get richer. It works quite well, it became the party`s strongest electoral weapon.
What happened then was that the middle class had to work more to keep their lifestyles, while lower classes just stopped working. I saw this happen so many times, women counting how many children they needed to have in order to stop working. One of my friends` maid had her first child, so went on maternity leave. As soon as she got back to work she got pregnant again and quit. She figured 2 children would be enough.
The number of “informal employment”, or non-registered jobs, also increased. This way you can get paid by the government and have a normal salary. Who pays for that? Honest workers who declare incomes and pay taxes.
So where is all this money that makes Brazil richer than UK? High society has it, of course. Politicians, business men, rich families have it. To add to the disparities list, 3 neighbor states, São Paulo, Rio de Janeiro and Minas Gerais are responsible for more than 50% of the country`s GDP. More than 30% is only in the state of São Paulo and 10% only in the city of São Paulo. That means most places in Brazil, which is a huge country (fifth largest) are not as economically advanced as the country claims to be. The people considered wealthy in São Paulo (the city) represent less than 20% of its population. It`s a pretty ridiculous number compared to the population of the entire country.
So why should we be proud? A huge country overtaking the economy of a little island, which still has a way better social reality? What`s the point of living in a rich country and having a heck of a life? What`s the point of such an awesome rank in the world`s biggest economies if the population has to deal with violence, bad hospitals, bad roads, heavy taxes and embarrassing corruption? Brazil has an enormous potential. If well administrated it could be self-sufficient. If well administrated it wouldn`t be so affected by the global crisis that decreases its growth. If something isn`t done soon, while the situation is favorable, Brazil will be risking to miss the chance to become a real super-power. People should start protesting for the right reasons!
Vida Mole: Universitária, dona de casa, professora e paulistana ainda por cima
Ao acordar, depois de algumas horas de sono na madrugada de segunda-feira, e pressionar o botão “soneca” do celular algumas vezes, tenho 15 minutos para me trocar, arrumar o cabelo, juntar minhas coisas, dar um beijo no marido e chegar ao ponto de ônibus. Por incrível que pareça, consigo a façanha e chego a tempo para a aula. O meu aluno parece menos cansado que eu. Eu havia passado o domingo inteiro lendo e estudando, com apenas algumas pausas para comer e ir ao banheiro. Me censurei inúmeras vezes por não tê-lo feito antes, sabia que as provas seriam naquela semana. Mas, quando? Mesmo que fizesse tempo, as prioridades eram outras, então.
Exausta, dei minha aula, esforçando-me epicamente para buscar vocabulários no meu dicionário cerebral. Management, human resources, lab, joy, tiredless… qual era a palavra? Muitas vezes não emergiam. Despedi-me do trabalho e fui em direção à faculdade. Tinha prova; prova de Marketing.
Findo o stress da manhã, começou a minha onda de azar. Se é que se pode chamar de azar – quando se mora em São Paulo, parece que o azar te segue tão freqüentemente que já faz parte da rotina. Eu não tinha ido ao banco, o meu bilhete único estava vazio. Voltei para a casa a pé.
No caminho, julgando que não teria tempo para fazer o almoço, comi um pastel. Passei fome a tarde inteira, enquanto lia e estudava, mas não ininterruptamente. Lembrei-me de um relatório atrasado e um e-mail importante. Mandei-os. Li. Lembrei-me das contas que venciam naquele dia. Os bancos estavam em greve. Os correios, também.
Tentando evitar a chatice dos call-centers, fui logo à internet. Não deu certo, não consegui abrir meu cadastro para visualizar o código de barras da conta; a página simplesmente não abria. Algumas tentativas fracassadas me levaram ao telefone (já havia tentado, por 2 meses, marcar uma data de entrega de documentos com a polícia federal e até tentado usar o internet banking em intervalos de uma semana, não estava disposta a perder mais tempo com sites problemáticos – parece que quanto mais se tenta facilitar e agilizar esses processos burocráticos, mais tempo se perde).
A URA atendeu prontamente. Simpaticíssima a URA da NET, ela interage com os clientes. Pena que nunca entende o que eu preciso, nem os números que estou digitando, e sempre me manda para o atendente, com direito a espera, musiquinha e uma lista de procedimentos para confirmação de dados. Essa última é para saber se é você mesmo que quer pagar a sua conta, imagina se outra pessoa paga? Um perigo!
Foi o tempo que a atendente gastou ditando o código de barras da fatura, e eu confirmando-os, que garantiu meu atraso. Saí às pressas para pagar as contas, e ainda tinha que colocar crédito no bilhete. Os minutos se arrastavam enquanto eu digitava a longa série de números do código de barras no caixa automático, onde os botões algumas vezes travam, e a gente tem que começar tudo de novo.
Corri para a lotérica mais próxima somente para ouvir a moça dizer que o sistema havia caído. Não usaria o bilhete único naquele dia. Corri, então, para o ponto de ônibus, somente para perder o primeiro, sendo obrigada a pegar o “Jardim Carumbé”, sem crédito, sem integração. Planejei, no caminho, fazer um capeletti que estava na geladeira para o jantar e foi o que fiz. Depois da aula, corri para a cozinha faminta, preparei o tal capeletti, comi e vomitei em seguida. Estava estragado, o maldito.
Talvez meu dia fosse melhor se o tempo seco não entupisse meu nariz, se eu não tivesse prova de Marketing, se a louca da professora de terça-feira não me fizesse ler 2 livros em 2 dias… A verdade é que o meu dia foi meticulosamente planejado por São Paulo. A cidade nos ensina uma lição: aprendemos a apreciar mais as coisas simples. Amanhã, se o ônibus chegar no horário certo e tiver espaço suficiente para eu passar a catraca, será meu dia de sorte. Agora, se eu conseguir uma transação bancária no tempo determinado, será como uma grande vitória.
A Manipulação de Massa e a Cultura
A manipulação de massa existe em todas as culturas. O idealismo anarquista, socialista, comunista e qualquer ista que se adicione à lista são utopias, ilusões criadas para mascarar outro modelo de manipulação. O ser humano precisa controlar e ser controlado, está nas entranhas de sua mais instintiva natureza. Se um indivíduo, portanto, tiver a falsa impressão de que tem controle de alguma coisa, ele fica satisfeito, pacífico.
O que muda é a forma de manipulação. Essa evolui com a cultura de um determinado lugar.
A cultura brasileira é, portanto, fraca e sem identidade.
Exagerei? Vejamos…
As culturas norte-americanas, européias, e até mesmo as asiáticas são tão mais fortes que a brasileira, que a população exige muito mais qualidade das produções da indústria cultural, resultando em ótimos filmes, peças, músicas, programas de TV, obras de arte, entre outros. Enquanto a população brasileira pede tão pouco em troca da sua manipulação, que resulta em produções de baixa qualidade, clichês, apelação sexual e humor de baixo calão.
Não pretendo, de maneira alguma, generalizar. Há, no Brasil, belíssimas obras de expressão cultural, assim como há, lá fora, um grande número de lixo cultural. A diferença na quantidade, porém, é grande. Existem muito mais pessoas escolarizadas nos Estados Unidos, na Europa, na China, no Japão, do que no Brasil. Sem contar outros muitos lugares, só estou destacando os mais conhecidos. Essas pessoas com alto nível de escolaridade exigem muito mais para seu entretenimento. O japoneses inovam constantemente em tecnologia, os ingleses desenvolvem comédias de humor culto, preservam obras milenares por meio de filmes e produções teatrais. Os americanos, ainda que criem milhares de clichês todos os anos, produzem, aqui e ali, muitos filmes alternativos que, mesmo sendo minoria dentro do país, são mais numerosos que todas as produções brasileiras.
O que é que temos no Brasil? A quantidade de filmes, peças, produções musicais de alta qualidade são tão insignificantes em comparação ao tamanho do país, da população, da diversidade cultural. O que é, então, que distrai o brasileiro? Com o que ele se ocupa para ignorar a manipulação imposta? Com o trabalho.
Trabalhamos demais para somente sobreviver. É um regime escravo. Trabalhamos, comemos, temos uma casa para dormir, fazemos a nossa dose de lavagem cerebral com a mídia e começamos tudo de novo. Fora as senzalas e as chibatadas é quase como um regime escravo, só que em condições satisfatórias o suficiente para que não reclamemos.
O investimento na educação é imprescindível. A minoria da população, que teve acesso a uma educação de qualidade, passa a exigir melhor qualidade e acaba tendo que importar cultura, assistindo filmes e programas e ouvindo música estrangeiros. Isso destrói a vasta cultura nacional, tão rica, tão vasta, porém tão esquecida, fraquinha que está. Sem educação de qualidade, um país não consegue manter sua identidade cultural, ainda que a ordem seja mantida.
Se você não se importa em ser controlado, ao menos peça algo melhor em troca.
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