Polarização e política do medo

 

polarizacao-azul-vermelhoHá duas salientes linhas de pensamento hoje no Brasil. Eu as chamarei de A e B, e descrevo as duas abaixo:

 

Linha de pensamento A

Há um plano de ação em processo, com a intensão de implantar o comunismo/socialismo totalitário no Brasil. Para alcançar esse objetivo, os orquestradores desse plano (muito representados por políticos de esquerda), pretendem trazer abaixo todos os valores cristãos, que são a principal barreira impedindo que esse desejo se concretize. Para tal, esse grupo esquerdista é capaz de qualquer coisa, até mesmo corromper crianças através do homossexualismo e a pedofilia. Esse plano se disfarça de uma coisa boa, se manifestando na forma de movimentos por direitos humanos, direitos LGBT, feministas, etc, ganhando assim muitos adeptos. Mal sabem eles que são “massa de manobra” para fins sinistros.

 

Linha de pensamento B

Há um plano de ação em processo, com a intenção de implantar uma nova ditadura no Brasil. Os orquestradores desse plano – representados por políticos de direita em parceria com grandes corporações – contam com o apoio de muitos religiosos, que são facilmente manipulados por pastores (especialmente da igreja evangélica). As pessoas que apoiam esse plano, religiosos ou não, costumam ser racistas, homofóbicas, preconceituosas em geral. Eles acreditam numa forma moderna, mais disfarçada, de escravatura através do trabalho; pois a maioria deles são pessoas com dinheiro, e carregam um grande rancor do pobre.

 

Se você achou a primeira linha de pensamento absurda, é bem provável que a segunda lhe soe plausível. Se o pensamento A faz sentido para você, você deve ter achado o pensamento B completamente insano. Isso é a polarização.

Qual das duas linhas de pensamento está correta? Nenhuma. O motivo pela qual uma delas provavelmente soa plausível para você (e para mim, eu não estou imune a esses processos) pode ser explicado pela heurística.

 

Heurísticas

 

Segundo a Wikipédia, heurística “é um método ou processo criado com o objetivo de encontrar soluções para um problema. É um procedimento simplificador (embora não simplista) que, em face de questões difíceis, envolve a substituição destas por outras de resolução mais fácil a fim de encontrar respostas viáveis, ainda que imperfeitas. Tal procedimento pode ser tanto uma técnica deliberada de resolução de problemas, como uma operação de comportamento automática, intuitiva e inconsciente”.

626381112Nós fazemos isso o tempo todo. O cérebro humano desenvolveu técnicas de solução rápida de problemas, que podem ser muito úteis, mas que muitas vezes causam falhas de julgamento. O exemplo mais clássico é o da heurística da disponibilidade, na qual um julgamento é feito baseado no primeiro pensamento que vem à mente.

O Dr. Jerome Groopman (apud Skeptical’s Dictionary) exemplifica essa heurística com o caso de um médico que diagnosticou vários casos de pneumonia viral no decorrer de algumas semanas. Uma paciente então apresentou sintomas similares, mas não apresentou as características manchas brancas no raio-x do pulmão, típicas de pneumonia viral. O médico a diagnosticou como estando nos estágios iniciais de pneumonia. Ele estava errado. Outro médico apresentou o diagnóstico correto: envenenamento por aspirina. O julgamento do primeiro médico havia sido atrapalhado pela grande disponibilidade de casos com o mesmo diagnóstico.

Nós não compramos um bilhete de loteria pensando nas chances extremamente baixas de recebermos o prêmio, mas nos casos de vencedores que vemos nos jornais e nos comerciais. Essas imagens estão mais disponíveis do que os números concretos da probabilidade, levando muita gente a superestimar suas chances. Assim, também, sempre que os noticiários estampam o rosto de terroristas islâmicos na TV, aumentam os ataques a estrangeiros (principalmente árabes, mas muitas vezes também mexicanos e indianos) nas ruas dos Estados Unidos. As chances de ser morto por um americano branco, por um bebê ou por um cortador de gramas são muito maiores do que por um terrorista mulçumano, mas a heurística da disponibilidade faz com que as pessoas vejam o mulçumano como uma ameaça maior.

Evitar esses erros de julgamento dá trabalho. É preciso ponderar, buscar o máximo possível de informações sobre o assunto, analisar versões com pontos de vista diferentes, etc. O uso das mídias sociais também colabora para intensificar a ocorrência de heurísticas.

As pessoas recebem grandes quantidades de informações através da internet, o que as força a fazer julgamentos ainda mais rapidamente. Além disso, o sistema de mídias sociais como o Facebook, intensifica a disponibilidade cada vez mais radical de um ponto de vista. Quando você clica em um artigo que foi compartilhado por um colega, o Facebook recebe essa informação como uma indicação de interesse por determinado assunto. Baseando-se nessa informação, ele passa a disponibilizar mais links sobre esse assunto, autor, veículo, etc. Então digamos que você clique em um artigo de uma revista de ponto de vista predominantemente de direita. Mais artigos de direita vão aparecer e você vai clicando. Em um determinado momento, todos os links vão apresentar um ponto de vista mais de direita, te deixando sem a opção de visualizar um ponto de vista diferente.

É comum, também, participar de grupos online onde mais pessoas compartilham um ponto de vista. Stuart Sutherland, em “Irrationality” (1992), explica que, quanto mais se convive com pessoas de um mesmo ponto de vista, mais essas pessoas se radicalizam para aquela linha de pensamento. Pessoas com o mesmo ponto de vista, validam e encorajam esse pensamento, e a falta de contra-argumentos – por evitarmos pessoas que pensam diferente – faz com que crenças se intensifiquem cada vez mais. Nós agimos assim por gostarmos de sentir que estamos corretos e receber a aprovação do grupo; encaramos a discordância como uma afronta, uma ofensa.

 

O medo

 

Suzanne Zeedyk explica o sucesso de Hitler através do medo e, acima de tudo, a origem do medo. O cérebro em desenvolvimento possui um sistema FEAR (medo) que funciona como um músculo; quanto mais ele é ativado na infância, mais sensível ele fica. Crianças que sofreram abuso, por exemplo, costumam ter esse sistema muito sensível. É como um alarme automotivo que dispara toda vez que alguém encosta no carro. O menor dos estímulos pode desencadear um ataque de pânico, ansiedade, agressividade, ou qualquer que seja a reação. Isso pode perdurar até a vida adulta. A geração de Alemães que apoiou o nazismo de Hitler, viveram uma infância na qual o “conselho da moda” dado aos pais era de uma criação autoritária dos filhos. Na criação autoritária predomina a disciplina, alcançada através de punições (sejam físicas, castigos ou humilhações) e ameaças. Esse tipo de criação ativa o sistema FEAR do cérebro em desenvolvimento com muita frequência.

Na vida adulta, quando esse sistema continua sensível, há um medo irracional de ameaças externas. Para justificar esse sentimento, essas pessoas criam um inimigo, que pode ser, no caso da Alemanha nazista, os judeus, negros, etc… As pessoas se unem contra esses inimigos em comum, sentem-se parte importante de uma comunidade, sentem-se mais seguras. Onde há medo generalizado, há sempre uma pessoa (ou mais pessoas) disposta a usar isso para alcançar o poder. Hitler não teria sido tão bem-sucedido, e feito o estrago que fez, não fosse o apoio que recebeu das pessoas (lembrando que não foram todos os alemães que apoiaram Hitler; não é preciso que todos, ou mesmo a maioria, apoiem uma pessoa como ele para que ela seja bem-sucedida).

O mesmo acontece hoje em dia. Figuras totalitárias recebem apoio das massas por representarem um sentimento de segurança. Para uma pessoa com o sistema FEAR soando o alarme constantemente, é beneficial sacrificar sua liberdade em nome da segurança.

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A polarização é um fenômeno que costuma preceder um momento histórico traumático, guerras civis ou guerras entre países, por exemplo. Em pleno 2016, ela tem acontecido no mundo todo, acelerada pela internet e viabilizada pelo medo. No Brasil, ela se manifesta na forma dos times A e B, que seguem os pensamentos A e B mencionados acima. Não é preciso que você concorde inteiramente com um deles, se identificar em parte é o suficiente para ser acatado por um grupo e se tornar inimigo do outro; aos poucos a sua afinidade com esses ideais deve se intensificar.

Enquanto o time A e o time B brigam entre si, o pequeno grupo de pessoas no poder lutam por elas mesmas; fazendo alianças com quem lhes for conveniente, apoiando o time que lhe for conveniente, promovendo e executando ações que lhes são convenientes, tudo em nome da manutenção do poder. Quando mais intensa a polarização, mais facilidade essas pessoas têm de permanecer e aumentar seu poder, se preocupando somente com as falcatruas e picuinhas entre eles mesmos.

Enquanto a população brigar entre si e enxergar uns aos outros como inimigos, continuaremos em declínio. Quando aceitarmos diferentes opiniões e o constante debate como parte fundamental para a manutenção da democracia, as coisas tendem a fluir. A população mais crítica, unida e reflexiva é mais forte para se defender contra a manipulação de oportunistas em busca de poder.

 

debate1O que fazer?

– Reflita sobre si mesmo, sobre o motivo para suas opiniões e pontos de vista; busque ser mais aberto a novas informações e mais flexível; tente reconhecer os momentos em que seu julgamento foi afetado por heurísticas.

– Se relacione e converse com pessoas que pensam diferente de você. Mesmo que você não concorde com elas, tente entender porque essas pessoas pensam assim e acima de tudo, respeite-as.

– Pratique a empatia com mais frequência; tente sentir o que o outro sente, se colocar em seu lugar e imaginar como é essa realidade. Procure não enxergar outras pessoas como “inimigos”, mas como pessoas que viveram outras e experiências e discordam de você. Tanto ela quanto você podem mudar de ideia um dia e acabar descobrindo que têm muito em comum.

– Debata com pessoas diferentes. A única forma de validar um ponto de vista é tentando provar que ele está errado. Escute argumentos conflitantes e reflita novamente sobre seus conceitos. Você pode manter a mesma opinião, adaptar seu ponto de vista ou mudar de ideia completamente.

– Procure saber mais sobre um assunto antes de expressar sua opinião na internet. Use fontes com pontos de vista opostos para elaborar sua opinião.

– Tente ver o mundo como um espaço para a colaboração e não para conflitos.

 

Observação: eu não me excluo dessa lista. Tenho tentado seguir esses passos (é um processo contínuo) e acabei descobrindo muitas coisas sobre mim mesma, meus preconceitos e vieses, e também tenho aprendido muito sobre pessoas com vidas completamente diferentes da minha. Ainda tenho muito a aprender, mas sinto que a minha vida se tornou muito mais fácil e positiva depois desse choque psicológico e por isso recomendo.