Resposta a Luiz Felipe Pondé

Leia o texto de Pondé aqui.

A conta do sofrimento masculino com a emancipação feminina chegou, e ela se chama seleção natural. É isso, meu caro darwininsta, a evolução da espécie prossegue, quer você acompanhe, quer não. Quem não se adapta às mudanças do meio ambiente vai se perdendo na seleção natural. Mas, como Darwin defendeu – e talvez você tenha perdido essa parte do darwinismo ao perder seu tempo defendendo sua simplificação interpretada por Herbert Spencer – a sociabilidade é de suma importância para se obter vantagem evolutiva; formar conexões é tão importante quanto acasalar para a sobrevivência da espécie. Então, não se preocupe, nós feministas não o deixaremos para trás.

Vamos começar com alguns esclarecimentos. Em sua coluna, você pergunta: “O que será o homem do século 21?”. Ele continuará sendo homem, igualzinho antes. A gente só espera que ele seja mais empático, e isso serve para as mulheres também.

Tenho que discordar de que “à medida que se torna mais inteligente (…) mais ele ficará interessado em si mesmo”. Ao que tudo indica, quanto mais inteligentes, mais interesse temos nos outros. Isso não é um discurso feminista cheio de mimimi; estou falando de neurociência, psicologia social, teoria do apego. Vou explicar melhor.

No estudo do desenvolvimento infantil, sabe-se que as crianças mais bem apegadas – que possuem figuras de apego, como a mãe, pai ou outro adulto significativo – se tornam mais inteligentes (Sunderland, 2016) (Rifkin, 2009) (Mooney, 2010). Isso ocorre porque, ao se sentirem seguros, os bebês e as crianças estão livres para explorar e aprender; sem o stress da autopreservação, já que um adulto está cuidando disso para eles, há mais espaço para o cérebro se desenvolver (Zeedyk).

Em um experimento famoso desenvolvido por Harry Harlow, macaquinhos bebês tiveram as mães substituídas por uma mãe postiça. Metade deles recebeu uma mãe de pano, bem confortável, e a outra metade uma mãe de fios, menos agradável para se aconchegar. Ambas as mães davam leite, para que os macacos fossem nutridos adequadamente. Os macacos com as mães de pano sobreviveram com muito mais sucesso que os macacos com as mães de fios, mesmo quando o leite deixou de ser oferecido. O experimento demonstra a importância de o bebê se sentir seguro e conectado para sobreviver, algo que é semelhante em todos os mamíferos.

Quanto mais apego, mais carinho ela recebe, mais inteligente e resiliente se torna a criança, além disso, ela se torna mais empática. E a empatia é parte essencial na máquina evolutiva de nossa espécie. Sem ela, nos destruímos uns aos outros, sem nos preocupar com os sentimentos de nossas vítimas.

De fato, se a procriação fosse a principal chave da sobrevivência da espécie humana, como explicaríamos a homossexualidade? Fosse assim simples, os genes que determinam predisposição para a homossexualidade já teriam sido extintos na seleção natural, já que a procriação é rara em relacionamentos homo afetivos. A ativação dos “genes gays” ocorre como uma ferramenta de sobrevivência, de acordo com o Dr. James O’Keefe. Quando há um desequilíbrio de gêneros na população, nascem mais gays. Isso ocorre porque, como expliquei anteriormente, nós dependemos de afeto, de relações sociais e conexões para sobreviver. Quanto mais filhos homens uma mãe tem, maiores as chances de o próximo ser gay. O quinto filho homem tem 33% mais chances de ser gay que o primeiro.

Então, quando você diz que as meninas partirão “para a experimentação lésbica por puro desespero”, você está errado. As lésbicas serão lésbicas, as hétero serão hétero. E trans não é moda. Toda essa comunidade LGBT vem de uma ativação genética que a mãe natureza talhou com o maior cuidado para ajudar a nossa espécie. O mesmo gene que determina a homossexualidade também determina maior capacidade para inteligência emocional. O’Keefe explica que, as pessoas que tiram as notas mais altas nos testes de inteligência emocional têm mais de 50% de probabilidade de ser gay. É o gene da empatia.

A homofobia é, portanto, uma afronta à evolução. Isso também vale para o machismo, racismo e todos os tipos de discriminação que indicam um baixo nível de empatia, de consideração pelo bem-estar alheio. O feminismo luta a favor da evolução, das conexões, da empatia, do bem-estar coletivo. E, não se preocupe, nós temos parceiros, maridos, namorados, filhos. Não somos essa figura estereotipada que você pinta em seu artigo.

Agora, vamos combinar, ser darwinista e depois fazer, no mesmo texto, um comentário criacionista é meio contraditório. Também é contraditório dizer que homem é complexo e listar as fantasias sexuais mais cliché da caixa de prazeres. Talvez quem está precisando fazer experimentações sexuais é você, Pondé. Vai lá se descobrir, seja sozinho ou com uma mulher que confie e respeite, e tenta dar uma relaxada. A mudança acontece mesmo, não precisa entrar em pânico. Embarque na evolução que nós não queremos te deixar para trás. Nós só estamos pedindo respeito e igualdade para todos.

E é claro que vamos respeitar seus sentimentos, até mesmo seu temor pelo fim da espécie; mas preciso te lembrar, também, que o ocidente não é mercado de carne, e mulher não é filé para você ir lá catar uma que satisfaça o seu apetite. Até entendo você estar invejando os homens de sociedades menos igualitárias, mas tenho fé em você e a certeza de que você supera isso.

Também vale lembrar que doçura não quer dizer submissão. E submissão é a única característica que você não vai encontrar em mulheres feministas.

Sobre o mau comportamento

diego2No ano passado, o vídeo de um menino de sete anos – vamos chama-lo de Diego – na cidade costeira de Macaé, no Rio de Janeiro, se tornou viral. No vídeo, o menino vira cadeiras, mesas, joga objetos pela sala, faz uma bagunça danada. Os professores ficam a sua volta, parados, sem saber o que fazer. Uma funcionária, acredita-se que seja a diretora da escola, diz: “Eu quero saber com a orientação educacional, com a assistente social, com a polícia, o que a gente faz com uma criança dessas?”. O vídeo foi compartilhado quase 30 mil vezes, recebendo mais de 23 mil comentários, muitos dos quais são perturbadores.

First comment: "lack of a beating"; second comment: "thank god my parents beat me up as a kid so today I`m not a worthless criminal or a thief, always respected everyone including my parents". Third comment laments that, in Brazil, psychologists and human rights restrain people from providing "proper education" (?) imposing limits to children.

First comment says "beat him up"; the other suggests he`s taken to a prison so the police would "freak him out".

Ainda no vídeo, um dos funcionários (talvez a diretora) instrui os outros a não tocarem na criança e esperarem até que sua mãe chegue na escola. “A gente não pode bater nele, não pode segurar ele”. Não, não pode; mas também não deve (voltarei a falar sobre isso mais para frente). O garoto acabou indo parar no Fantástico, onde os especialistas entrevistados lamentam o fato de professores se sentirem presos e não poderem impor limites em crianças como ele.

O que mais me chateia – além da grotesca exposição dessa criança – é que isso mostra o quão despreparados, não apenas pessoas em geral (incluindo pais e responsáveis), estão educadores, psicólogos e outros profissionais ao lidar com uma criança de comportamento difícil. E isso não é exclusivo do Brasil. No Reino Unido, em 2012, “mais de 40% dos pais admitiram ter punido fisicamente ou batido em uma criança no decorrer de um ano (…) e cerca de 77% gritou com os filhos” (Sunderland, 2016, p.178).

Eu não os culpo. A maioria dos pais aprendeu que se deve “disciplinar” os filhos para que eles se comportem bem. Eu também já pensei da mesma forma, mas eu tenho aprendido muito desde que me tornei mãe e trabalhando com crianças – e eu gosto de compartilhar aquilo que aprendo, então vamos lá. A seguir, explicarei porque crianças se comportam mal e o que fazer a respeito.

 

Pequenos cérebros, grandes emoções

Os seres humanos nascem com o lobo frontal subdesenvolvido. Trata-se da parte do cérebro responsável pelo pensamento claro e intenções. Isso significa que não nascemos com a habilidade de controlar nossas emoções. Nós aprendemos isso através de nossas conexões com os adultos a nossa volta, como familiares, educadores, etc. Dessa forma, o mau comportamento costuma ser resultado de um cérebro imaturo.

frontal lobe

Em contraste com o lobo frontal, desde o nascimento, a parte inferior do cérebro humano está funcionando completamente. Essa região do cérebro

“contém sete forças hormonais enormes – os sistemas emocionais geneticamente arraigados. Há três sistemas de alarme – RAGE (frustração, irritação), FEAR (medo) e PANIC/GRIEF (pânico, perda, angústia da separação) – e três sistemas calmantes, de bem-estar e pro-sociais – CARE (afeto), SEEKING (procurando, desejo, antecipação) and PLAY (brincadeira, alegria, despreocupação) – e, finalmente, LUST (acasalamento). Esses sistemas são como músculos, quanto mais os ativamos, mais eles se tornam parte da personalidade”. (Sunderland, 2016, p.19)

Para uma criança, pequenas coisas como cansaço e fome podem ser motivo para uma crise de mau comportamento. Por causa do lobo frontal desenvolvido, adultos possuem a habilidade de compreender porque estão irritados e ir buscar algo para comer, descansar, caminhar ou qualquer coisa que os faça se sentir melhor. Crianças precisam de um adulto que as ajude a entender e lidar com seus sentimentos. O que parece pouco para um adulto, para uma criança pode ser super estressante.

Quando crises de mau comportamento não são lidados apropriadamente na infância, elas podem continuar ocorrendo na vida adulta. Se você trabalha com atendimento ao cliente, provavelmente já se deparou com um desses adultos.

 

Motivos para o mau comportamento de acordo com Sunderland:

– Fome ou cansaço;

– Alimentação (açúcar, adoçantes e certos aditivos nos alimentos podem afetar o comportamento da criança);

– Cérebro emocional ainda pouco desenvolvido (conforme explicado anteriormente);

– Cérebro pouco estimulado (enquanto adultos podem ligar o rádio ou algo do tipo, crianças podem tentar estimular a si mesmos causando uma situação com seu comportamento);

– Necessidade de reconhecimento (crianças que estejam buscando a atenção de adultos podem usar o comportamento como uma forma de consegui-la);

– Necessidade de estrutura (falta de estrutura, como uma rotina clara);

– Necessidade de ajuda com um grande sentimento (tensão devido a um evento em particular na vida da criança);

– Absorvendo o stress dos pais;

– Parte errada do cérebro da criança sendo constantemente ativada.

O último ponto merece atenção especial, pois nesse caso é preciso que os pais, responsáveis ou educadores mudem sua forma de se relacionar com a criança. Sunderland explica que

“Um dos principais motivos que levam crianças a se comportarem mal é devido à forma como os pais se relacionam à criança, ativando a parte errada do cérebro. Você terá mais dificuldades com os filhos se a criação estiver ativando os sistemas RAGE, FEAR ou PANIC/GRIEF do cérebro inferior. Você terá momentos mais agradáveis se ativar os sistemas CARE, PLAY ou SEEKING”.

Gritar, punir fisicamente e ameaçar a criança com frequência irá superestimular os sistemas RAGE, FEAR e PANIC/GRIEF, tornando a criança mais suscetível a crises de mau comportamento; e não o oposto, como a maioria das pessoas comentando no vídeo do Diego parecem acreditar.

“Da próxima vez que estiver prestes a dar bronca em uma criança (normalmente por causa de um comportamento que você não gostou), pergunte-se se há uma forma mais gentil de se expressar – por trás de todo comportamento há uma necessidade emocional, e não é a necessidade de levar bronca”. (Suzanne Zeedyk)

Há dois tipos de crises de comportamento, a crise aflitiva e a de Pequeno Nero. Ambas devem ser levadas a sério e tratadas apropriadamente, de maneiras diferentes.

 

Crise aflitiva

Use your developed frontal lobe to control your emotions and deal appropriately  with a challenging child.

Use o seu lobo frontal desenvolvido para julgar a situação e lidar com a crise da criança apropriadamente.

“Uma crise aflitiva indica que um ou mais dos sistemas de alarme foi fortemente ativado. Esses sistemas de alarme são RAGE, FEAR e PANIC/GRIEF. Isso resulta no estado de alerta da criança se desequilibrando, com níveis excessivos de componentes do stress fluindo pelo corpo e cérebro”. (Sunderland, 2016, p.184)

Esse tipo de crise pede uma aproximação do adulto, para acalmar a criança. Segurar a criança com carinho, oferecendo palavras calmantes, ajudará a fazê-la se sentir segura novamente. Então, assim que a criança estiver se sentindo mais calma, a melhor coisa a fazer é distraí-la – com uma canção, mostrando algo interessante, etc.

Castigos e punições, isolar a criança em um quarto, ignorar ou não dar atenção a essas crises de comportamento pode ser prejudicial, podendo levar a crises mais longas e mais frequentes.

 

Crises de Pequeno Nero

Essa é bem diferente da crise aflitiva e pede uma resposta diferente. O adulto, nesse caso, deve dar menos atenção à criança. Essa crise reflete o desejo de manipular o adulto – quando a criança quer um doce, por exemplo, e tenta convencer os pais a compra-lo gritando e não cooperando. Se a criança consegue o que quer, ela continuará tendo uma crise toda vez que ouvir “não”.

Não adianta tentar argumentar, negociar ou persuadir a criança durante a crise de Pequeno Nero, pois só estará dando a ela a atenção que ela está pedindo. Não grite com a criança, pois ela irá aprender que esse é um comportamento aceitável.

Normalmente, a criança que está tendo uma crise de Pequeno Nero vai parar ao ser ignorada; ou quando compreender que receberá atenção do adulto quando estiver calma e pedindo algo educadamente. Entretanto, algumas vezes, uma crise de Pequeno Nero pode escalar para uma crise aflitiva. É importante saber distingui-las para que sejam lidadas corretamente. Se a criança muda de um comportamento onde ela dá comandos ou exige algo incessantemente para um estado de dor genuína, a criança precisará de ajuda para lidar com seus sentimentos.

Suzanne Zeedyk nos lembra que “mesmo crises de Pequeno Nero refletem uma criança tendo dificuldades ao lidar com seus próprios desejos; então, carinho sem limites” é sempre a melhor abordagem.

 

No caso de Diego, ele não estava exigindo nada; ele silenciosamente destruía a sala dos professores. Eu diria se tratar de uma crise aflitiva. Ele estava tentando lidar com um sentimento muito forte e não sabia como, resultando no seu comportamento destrutivo.

Pessoalmente, essa é a minha forma de lidar com a situação – apesar de haver outras formas de lidar com ela: eu o levaria (sem machucá-lo de nenhuma maneira) para algum lugar, provavelmente do lado de fora, onde ele não pudesse causar muitos danos ou se machucar. Eu usaria frases calmantes, como: “Está tudo bem; ninguém está bravo com você; não se preocupe; vai ficar tudo bem”. Eu esperaria ele se acalmar e me sentaria ao lado dele, talvez colocando uma mão no seu ombro ou costas (se ele deixar) para oferecer conforto. Eu então conversaria com ele, para tentar descobrir o que causou a crise. Perguntas simples, como: “Como foi o seu dia?” , podem ser bem elucidativas. Talvez houve um desentendimento com um colega, talvez ele sofreu bullying, ou talvez algo esteja acontecendo na casa do garoto. Pode ser que ele não diga nada ou queira falar sobre outra coisa, ou brincar. O importante é que ele agora está mais calmo e pronto para retornar a sua rotina.

É importante lembrar que para lidar com crianças com frequentes crises de comportamento é preciso muita paciência. Crianças precisam de tempo para aprender a lidar com seus sentimentos ou pedir ajuda a um adulto. E que gritar, punir fisicamente, isolar ou humilhar a criança não são métodos eficientes. Diego foi filmado e exposto a milhares de pessoas, muitas das quais expressaram o desejo de puni-lo agressivamente e usaram palavras ofensivas para se referir a ele (trombadinha, marginal, futuro criminoso, diabo, etc). Isso é um abuso (coletivo) verbal e emocional de uma criança; sendo essa uma das principais causas para crianças e adultos se comportarem inadequadamente. Eu espero que Diego esteja bem, mas eu não me surpreenderia se depois disso tudo o seu comportamento não tenha melhorado. Eu espero que um adulto sensato e carinhoso o esteja ajudando a lidar com seus sentimentos.