A Mão de um Fantasma

No inverno de 2011, uma coisa não saía da cabeça de Jason: uma arma. Qualquer pistola serviria. Seria rápido e indolor. Uma bala no cérebro significaria o fim de todo o sofrimento; um alívio e uma paz que ele não sentia há anos. Os gritos de seu filho ecoavam distantes enquanto Jason contemplava essa ideia. Com as hospitalizações de Jayden se tornando frequentes, aquele pensamento – a silhueta de uma pistola contra a têmpora – se tornava cada vez mais tentador. No entanto, aqueles mesmos gritos que o levavam à loucura, o traziam de volta a si.

Precisava se concentrar. Não podia abandonar o filho. Em meio a uma das numerosas crises diárias de Jayden, de quem agora os gritos soavam nítidos e reais, Jason compreendeu que precisava de ajuda. Ligou para a mãe:

– É hoje, mãe, – ele tentava explicar, entre soluços, o que se passava – eu não consigo mais. Acabou, mãe. Acabou.

Sabendo exatamente do que se tratava, a avó de Jayden se viu implorando ao filho que fosse à igreja e se concentrasse em suas preces. Jason não havia largado a fé, continuara frequentando as mesmas igrejas, Shelter Cove e St. George, sempre que Jayden se encontrava estável. Em um domingo de missa, ele pediu por um sinal. Sabendo da situação em que Jason se encontrava, o pastor pediu para que todos orassem por Jason e Jayden, e intensificou suas preces pedindo a Deus que lhes mandasse um sinal:

– Não daqui a um mês, não daqui a uma semana. Jason precisa de um sinal hoje, Senhor, um sinal amanhã!

Jayden tinha apenas algumas semanas de vida.

 

O Dravet

Jayden nasceu com o gene SCN1A, imperceptível até sua primeira crise, aos quatro meses de idade. As primeiras convulsões eram do tipo grande mal, o que significa perda de coordenação motora e fortes contrações musculares, visíveis mesmo que aconteçam por debaixo da roupa. Aos dois anos de idade, ele passou a ter também convulsões clônicas, causando movimentos involuntários. Seis meses depois, Jayden tinha todos os tipos de convulsões existentes. As crises aconteciam diariamente e quase o dia todo. Os pais o levavam de um médico a outro, tentando descobrir o que ele tinha, sem sucesso.

Um teste genético finalmente concluiu o diagnóstico: Síndrome de Dravet, a forma mais severa de epilepsia conhecida. A síndrome costuma se manifestar em crianças antes de elas completarem um ano de idade. Não existe cura e os tratamentos podem ou não ajudar a diminuir as crises. Como a Síndrome de Dravet é uma doença rara – a cada 30 mil crianças, aproximadamente, uma nasce com o gene – não há muito investimento por parte da indústria farmacêutica em pesquisa, já que o retorno financeiro não compensaria os gastos. Os tratamentos disponíveis, portanto, funcionam na base da tentativa e erro.

Após o diagnóstico, que já é difícil de se obter (foram quase dois anos de testes e consultas no caso de Jayden), a busca pelo tratamento certo se torna uma corrida contra o tempo. A cada crise a criança se aproxima mais rapidamente da morte, já que as convulsões causam danos cerebrais irreparáveis. Jayden teve paradas cardíacas em algumas de suas crises e precisou ser ressuscitado no hospital. Fazer ressuscitação cardiopulmonar em Jayden enquanto espera pela ambulância não era bem a ideia de Jason para um programa pai e filho. A doença não só paralisa a vida da criança, ela devasta a família. Não é à toa que muitos pais não aguentam a pressão e acabam se divorciando. O que também foi o caso de Jason e sua mulher.

Aos quatro anos de idade, Jayden já tinha experimentado todos os tratamentos disponíveis no mercado. Jason já havia procurado tratamentos naturais, dietas, quiropratas, mas nada parecia funcionar. Jayden tomava 22 pílulas diárias, remédios que acabaram por debilitá-lo ainda mais. Uma das pílulas, o clobazam, remédio comumente usado para a síndrome de Dravet e outras formas de epilepsia, tem como possíveis efeitos colaterais: problemas na visão, tontura, perda de coordenação muscular, sonolência, nervosismo, pensamento anormal, agitação, ansiedade, mudanças de comportamento, confusão, convulsões (!), depressão, batimento cardíaco irregular, alucinações, falta de memória… e essa não é nem metade da lista.

Os remédios impediam Jayden de dormir, comer e o garoto chorava durante horas por medo das alucinações, entre outros efeitos desagradáveis. Aos quatro anos e meio de idade, Jayden não falava, não andava, não mastigava. Tudo o que ele fazia era chorar e gritar. As convulsões só haviam aumentado e ele tinha até 500 contrações musculares severas por dia. Jason saía correndo da loja de joias onde trabalhava como gerente quase todos os dias, pois seu filho se encontrava em uma ambulância.

Dois dias depois de ir à missa pedindo por um milagre, o primeiro sinal apareceu. Ele caminhava para o trabalho quando recebeu uma ligação da loja, dizendo que o chefe lhe concedera quatro meses de folga. Os outros funcionários haviam mandado uma carta ao dono da loja pedindo para que Jason pudesse ficar mais tempo com seu filho e se concentrar somente nisso. O pedido fora concedido.

O segundo sinal não demorou a aparecer. Um adolescente de 15 anos havia sido pego fumando um baseado na escola e estava suspenso. O noticiário local resolveu aproveitar o gancho para fazer uma matéria sobre drogas na escola. No entanto, na entrevista, uma revelação: o menino afirmava que fumava maconha para controlar suas convulsões. Os pais não sabiam dizer se ele estava dizendo a verdade.

Essa reportagem ficou martelando na cabeça de Jason e ele resolveu pesquisar mais a fundo. Acabou descobrindo que a maconha tem canabinoides anticonvulsivos e antiespasmódicos. Também acabou conhecendo o CBD (cannabidiol), componente da cannabis que é neuroprotetor e antioxidante, justamente o que poderia ajudar e proteger Jayden. Ficou surpreso, ainda, ao descobrir que o governo dos Estados Unidos aprovou a patente de número 6630507, sobre o uso de canabinoides como o CBD para efeito de neuroproteção e antioxidante. No entanto, o governo americano mantém a canábis na primeira categoria de drogas perigosas restritas, junto com a heroína e o LSD. As substâncias dessa categoria são consideradas extremamente perigosas, com alto potencial de abuso e nenhum valor medicinal aceito. Alguma coisa não estava fazendo sentido.

Ele tinha uma consulta médica em São Francisco e resolveu perguntar ao médico o que ele achava disso tudo. O conselho foi de tal flexibilidade que renovou as esperanças de Jason:

– É uma questão de vida ou morte agora, não custa tentar.

Convencer a família não seria tão fácil. Após obter o óleo de canábis em um conta-gotas de 3 gramas, Jason demorou duas semanas para tomar coragem. A mãe dizia:

– Você vai matar o seu filho! Dar maconha a uma criança no estado dele? Está louco?

De qualquer maneira, Jayden estava morrendo e Jason não tinha nada a perder. Quando finalmente colocou as três gotinhas debaixo da língua de Jayden, Jason passou, pela primeira vez, um dia inteiro com seu filho sem que ele tivesse uma crise. Passaram-se mais quatro dias sem nenhuma convulsão. Para Jason, era um milagre.

 

Uma revolução

O suposto milagre faz parte de nossa história há milhares de anos. O neurologista Ethan Russo, especialista em canabinoides, menciona em “Clinical Cannabis in Ancient Mesopotamia: A Historical Survey with Supporting Scientific Evidence” que os antigos mesopotâmios já usavam, desde o início da civilização, “um unguento tópico usado no tratamento de um mal antigo chamado Mão de Fantasma, que atualmente acredita-se que seja a epilepsia, incluindo a cannabis como um de seus principais ingredientes” (Russo apud Bennet, 2010, p.20).

Já no século XIX, o cirurgião da companhia das Índias, William B. O`Shaughnessy, recolheu informações sobre o uso medicinal da canábis pelos indianos e chineses. Segundo Chris Conrad, no livro “Hemp: O uso medicinal e nutricional da maconha” (1997), “O`Shaughnessy estabeleceu sua reputação ao aliviar a dor do reumatismo e aplacar sucessivamente as convulsões de uma criança com essa nova e estranha droga. Eventualmente ele popularizou seu uso na volta à Inglaterra. Seu êxito mais conhecido veio quando ele abrandou os dolorosos espasmos musculares do tétano e da raiva com a resina”.

Se todas essas informações, entre outros usos terapêuticos da canábis em seus mais de cinco mil anos de história conhecida já estavam por aí, por que Jason, em 2011, foi o primeiro a tentar esse tratamento com a Síndrome de Dravet? Jason se fez essa mesma pergunta centenas de vezes.

A princípio, quando iniciou o tratamento de Jayden, não poderia estar mais feliz com os resultados.

– Era o paraíso, sabe? Todos os dias em que Jayden está bem é como um paraíso.

Aos poucos, foi tirando Jayden dos medicamentos tradicionais, e os resultados foram ainda melhores:

– Eu tirei o stiripentol e ele parou de gritar; eu tirei o topomax, ele tomava 10 pílulas de topomax por dia, ele começou a mastigar e a correr. Ele não andava antes e ele começou a correr depois disso! Depois eu tirei o depakote e ele começou a compreender. Então eu tirei um pouco do clobazam, estamos nos últimos miligramas de clobazam, mas é muito difícil tirar dele. Ele sofreu muito com as crises de abstinência.

As crises de abstinência são comuns em remédios tarja-preta, pois eles causam dependência física. Jason foi removendo aos poucos, nos últimos anos, cada um dos medicamentos. Ele diz estar começando a conhecer Jayden pela primeira vez.

– Está me custando 22 pílulas para descobrir quem meu filho realmente é. Mal posso esperar para conhecê-lo de verdade.

Jason conseguira salvar a vida do filho e queria que outros pais soubessem sobre sua descoberta. No entanto, quando buscou mais informações e percebeu que a sua descoberta não era assim tão inédita, mas que poucos sabiam sobre ela, pensou em todas as famílias, todas as crianças que perderam suas vidas devagar, sofrendo, e ficou muito decepcionado.

Tentar passar a informação adiante também não foi nada fácil:

– Todos os pais que estão agora lutando em todos os estados eram contra mim no início – afirma ele, referindo-se aos pais que estão tentando conseguir acesso à canábis medicinal em estados americanos onde ela ainda é ilegal – Eu era expulso de todos os grupos de pacientes, todas as reuniões de Dravet, eles achavam que eu era um louco. Agora todos eles são grandes defensores da maconha medicinal.

Jason não recebeu pedidos de desculpas, mas ficou feliz com o resultado. Da pequena cidade de Modesto, na Califórnia, ele iniciara uma revolução que atingiria proporções mundiais. Desde que começou o tratamento de Jayden, diversas famílias têm feito o mesmo. Paige Figi, que salvou a vida da filha, Charlotte, com uma planta de canábis com alto teor de CBD, descobriu através de Jason o que fazer. A CNN tornou o caso de Charlotte famoso e o conhecimento sobre o uso pediátrico da canábis foi se espalhando pelo mundo até chegar aos ouvidos atentos de Maria Aparecida Felício de Carvalho.

 

**Essa história não termina aqui e faz parte do livro “Ervas Daninhas”. Postarei mais em breve!**

Para mais informações sobre a maconha medicinal, adquira o livro “O Uso Medicinal da Canábis“.

Where do you see yourself in five years?

I heard this question in several job interviews and I always hated it. I never understood if the purpose was to check how ambitious I was or to know if I was going to ditch the job any time soon. Five years is a long time and I didn`t want to have my life planned so far ahead. So I lied a lot on job interviews.

This seems to be a common thing in lectures and books about achieving success. The general idea is that you set up goals for yourself and if in five years you have achieved them, you`re winning the game of life, man! Congrats!

That`s fine to help you focus and everything, but how boring is that? Doing exactly what you thought you`d do five whole years ago; you are that predictable.

Five-years-ago Susan, at the age of 22 and starting to study journalism, would never, ever have guessed that by 28 she`d be a divorced single mother, published author, living in the UK and working at a nursery, while trying to help children on another continent to get cannabis*. That would have been a crazy thought I`d have probably left out at a job interview. Past Susan didn`t even know Newport Pagnell, the city present Susan lives, existed. And if past Susan had been offered the opportunity to live in this small town on the outskirts of Milton Keynes, she would have said: “no, thank you”.

If you don`t know Newport Pagnell, it`s because you don`t live in the immediate five-mile radio. I ended up here because of my ex-husband but, as you probably figured, we split up. So now I feel a bit out of context. There are very few opportunities for reporters in the area, especially foreign ones with experience on writing about weed. And for someone who lived her entire life in one of the largest cities in the world, Newport Pagnell is pretty much like groundhog day loop. But I`m getting used to it; it`s all a matter of adaptation.

There`s something I learned from Taoism and tattooed on my leg so I wouldn`t forget: be like water. Water is flexible and patient, it blends to the environment. It might at times be stuck on a puddle, but it`ll eventually evaporate and travel again. It won`t be stopped, it will keep moving forward. Water has the power of overcoming all sorts of obstacles, given enough time. So give me time, I`m on my puddle.

The puddle is not necessarily a bad thing either. Newport Pagnell has its charm and I love to learn about its long history. I`ll write more about it another time.

The point is: I found myself a single mother, the government denied me some benefits because I hadn`t lived in the UK long enough, so I figured I`d have to work even though I had a baby and was still breastfeeding. It had to be part-time, local and something I would enjoy. Since the jobs 2016 224I went to college for were not available here I asked myself what I`d like to do, what I`d like to work with, and the answer was right in front of me – more like in my arms, probably crying or poking my eye. Children!

I have experience with kids so I knew what to expect. I might have said at some point in the past I`d never work with children again. But the whole point of this post is that things change, they keep changing. After I`ve had my share of disgusting adults I began to miss the innocent little creatures. Plus: I became a mother, which makes my brain be filled with love-for-children hormones.

So I got a job at the local nursery and I`m enjoying it a lot. Childcare for my son is provided there, so I`m never too far from him; the company is very nice and wants to help me get more qualifications; and I`m now thinking of doing a masters on Childhood and Youth, maybe start writing about it in the future. Things are coming together in ways I would have never expected.

If I had set up strict goals and tried to stick to them no matter what, I might have failed miserably or have been very successful, I`ll never know. I just know things would definitely be different now and that`s a thought that keeps me awake at night sometimes. I know it`s a silly thing to think about, but it`s hard to avoid. Things happened as they did and I chose to adapt, to be flexible, to get comfortable in my puddle instead of hating past Susan`s life choices. I have no idea where five-years-from-now Susan will be; I don`t really want to know. I set my goals weekly, anything beyond that is an exciting mystery.

 

PS: There`s nothing wrong with setting long term goals, I just think it`s a good idea to be prepared to abandon them when they no longer make sense, or adapt them when life takes you to a different direction.

 

*Just so there`s no misunderstanding, there`s a context here. I support groups of parents in Brazil who fighting for access to cannabis based medicine for their children, mostly with hard-to-treat epilepsy.